Lisboa – Parte 2

A minha primeira casa era alugada pelo Hugo que, por sua vez, sub-alugava os quartos para o restante dos pobres moradores – todos estudantes em intercâmbio. Eu sabia então que, ao fim do ano letivo de Erasmus eu teria que procurar algum outro lugar para morar – lembrando que na Europa, assim como nos Estados Unidos ou em Hogwarts, o ano letivo vai de setembro a junho.

Era previsto então que eu deixasse a casa no começo de julho. A novidade foi em maio o Hugo me chamar para contar que alguns fatores o levaram a adiantar a volta dele à França, o que nos obrigaria a ter que deixar a casa no dia 11 de junho. Como todos eram estudantes que só iam ficar mais algumas semanas em Lisboa, então ninguém se dispôs a alugar a casa toda, sobrando para cada um de nós improvisar a moradia.

Duvido que tenha havido um dia pior para sermos jogados no olho da rua. A maior festa de Lisboa acontece dia 12 de junho. É a festa de Santo Antônio.

Festa das Sardinhas

As festas de Lisboa acontecem, na verdade durante todo o mês de junho. São as festas juninas, celebrando os dias dos santos, com barracas montadas em frente aos largos das igrejas e bandeirolas enfeitando as ruas. Quiosques vendendo cerveja surgem em todo canto e a cada esquina há um português assando sardinhas.

O principal dia é 12 de junho, dia de Santo Antônio, padroeiro de Lisboa. Há uma parada extremamente chata que atravessa a avenida da Liberdade, e as estreitas ruas que formam o labirinto que é Alfama são tomadas pelo povo. A festa é realmente divertidíssima. A cidade do Porto tem como dia principal 23 de junho, dia de São João – também estive lá na tarde do dia 23, mas só pegando um vôo para Marrocos.

Festa das Sardinhas
Ruas de Alfama durante a Festa das Sardinhas

Uma vez expulso de casa, reservei um quarto de hostel com Julien (o outro francês desabrigado). Foi realmente uma sorte pois, por conta da festa, a maioria dos hostels já estavam cheios. Se tudo desse errado, ainda tinha esperança de conseguir dormir no sofá (ou no chão) da casa de algum amigo do Erasmus.

A maioria dos meus amigos eram estudantes do Erasmus. Por conta deles que a Festa das Sardinhas me pareceu uma versão tão embriagante de um carnaval. A primeira noite foi alimentada com vinho e sardinhas na confusão absurda das estreitas ruas de Alfama – o que incluiu me perder deles e achá-los de novo algumas vezes. O segundo dia pude acompanhar a enfadonha parada da avenida Liberdade que foi ficando mais divertida conforme eu ia ficando mais bêbado.

Eu não gostava de sardinha antes das festas juninas de Lisboa. Nesse período eu comi tanta que passei a gostar.

O grande divertimento das festas de Lisboa foi mesmo pelas companhias. Desde que cheguei na Europa, estive vivendo com universitários, dividindo repúblicas, indo em festas na casa de estudantes, com pessoas que chegam dizendo que não podem beber muito porque tem prova no dia seguinte (e terminam jogadas ao lado da porta). Conheci pessoas de toda a Europa; Se no começo eu ia para casa de alguém sem conhecer ninguém lá, na terceira vez que se vai a uma dessas festas, já se conhece metade das pessoas. E assim, aos poucos, passei a ser quase toda noite convidado para algum evento do tipo.

Desabrigado

Foram esses amigos que me cederam um teto e um colchão (ou um sofá ou até mesmo um pedaço de chão) durante o mês de junho e metade de julho. O ano letivo estava acabando e todos os estudantes estavam indo embora, voltando a seus países, e eu sabia que cedo ou tarde acharia um bom quarto para morar. Entretanto, como tinha duas viagens de 5 dias cada uma no período, decidi que iria atrás de um lugar para morar só quando voltasse dessas viagens. E assim que eu passei um mês morando de favor.

Fiquei um bom tempo na casa de um divertidíssimo amigo belga que morava bem perto de minha primeira casa. Nick era um programador que trabalhava em um site de putaria em Lisboa, evangelista do Drupal. Ele morava com outros dois espanhóis, uma espanhola, uma alemã e uma portuguesa. No período que fiquei abrigado sob seu teto, me diverti bastante re-assistindo episódios de Lost ou discutindo sobre a complicadíssima política belga.

Depois que Nick foi embora, também passei um bom tempo dormindo no sofá de um tcheco que era o único remanescente do grupo que ainda estava tendo provas – sofrimentos de um estudante de medicina. Também contei com a ajuda de um grego e um outro tcheco, sempre em casas repletas com uma variedade considerável de nacionalidades e uma quantidade mais do que recomendável de placas de trânsito e cones roubados.

Despedidas

Aos poucos, cada um dos meus amigos foi encerrando seu período de intercâmbio e partindo para suas terras natais. O final de junho e o começo de julho foi uma época péssima para quem odeia despedidas. Todo dia era o último dia de alguém. Churrascos de despedidas e últimas idas aos bares do Bairro Alto aconteciam todas as noites e aos poucos comecei a sentir a cidade se esvaziando – as despedidas mesmo iam se tornando eventos cada vez mais discretos.

É uma coisa chata. Nesse período fiz bons amigos que agora se espalham por toda a Europa (e grande parte do Brasil), mas que sei que não voltaremos a ter o contato de antes. Ainda tinha meus amigos do hostel e uma boa parte de pessoas que estavam em Portugal para uma estadia maior – trabalhando e dispostos a ficar por mais tempo. Mas o grande centro ao redor do qual girava todo o meu círculo de amizades era pautado em um universo acadêmico, de festas em repúblicas e jovens malucos que tentavam aproveitar o máximo possível seu breve momento de intercâmbio.

Quando eu finalmente tinha formado um grupo de amigos, eles se foram. E a música sumiu do miradouro da Glória, onde à noite iam os estudantes para beber. Foi ali que, no final de julho, eu me vi mais uma vez sozinho em Lisboa.

Fado...
Fado...