A guerra da edição

O autor preparou seu exército de caracteres. Letras, espaços e vírgulas, alinhados, enfileirados, como se formassem uma gigantesca parede de escudos. O campo de batalha estava formado, escrito e articulado, com parágrafos planejados e uma estratégia de combate de dar inveja a Sun Tzu.

O editor estava do outro lado, sozinho contra todos. Apesar do discurso de liberdade editorial, todos sabiam que ia ser uma luta difícil. A licença poética estava em jogo. Mesmo com a diferença numérica, a batalha seria dura e o editor não queria dar chances para o texto.

Começou matando um aposto. A canetada era esperada. As letras se uniram: o quilômetro se abreviou para salvar alguns caracteres; um adjetivo se excluiu em um auto-sacrifício por um colega menor e semelhante. O espaçamento se espremeu para parecer mais unido, mas mesmo assim o editor invadiu o texto, ignorando as sentenças bem articuladas. Ele prosseguiu com seu ataque: Quebrou uma linha de raciocínio, separou dois parágrafos e usou o veículo como argumento pra remover uma frase que não seguia seu pensamento.

O autor interferiu: Reclamou que o ontem não poderia substituir o ante-ontem só para salvar caracteres. O editor ameaçou trocar o ontem por hoje pra reduzir ainda mais. O autor cedeu. O editor se animou: Excluiu um paragráfo inteiro, cortou uma frase longa em três, moveu a introdução para o lugar da conclusão e a conclusão foi deletada.

O autor chorou ao ver o massacre. As palavras já começaram a ficar perdidas no meio da bagunça provocada pelo editor. Um advérbio bateu numa vírgula e ficou sem saber para onde ir. O próprio autor misericordiosamente retirou ele de cena. Desesperadamente, começou a jogar novos caracteres em campo, com esperança de salvar a idéia. Não era religioso, mas pensou em novas orações. Um novo sujeito apareceu para resgatar um predicado. O editor continuava excluindo. Separou idéias, removeu aspas, discordou de um depoimento.

A batalha estava perdida. O argumento desapareceu. A esperança era ao menos salvar a conclusão, para terminar com algum sentido. O editor foi impiedoso: Não restavam caracteres ao autor. “Eu preciso de um final decente! Tendes piedade!”, clamou o autor para o sentimentalismo. O editor recusou: “São as normas do veículo. Não há espaço.”. Os caracteres, cabisbaixos e serifados em Times New Roman não identificavam mais seus semelhantes. Até o título foi trocado. Numa última investida se apertaram para tentar encaixar um final. O editor não cedeu e o texto fic