Dos primórdios da internet

Duas pessoas totalmente aleatórias caminham por uma rua fictícia com alguma discussão randômica. “Qual a capital da Samoa Americana?”, por exemplo. Um insiste que é Pago-Pago enquanto outro tem a certeza absoluta que é Fagatogo. Em determinado momento, um dos discussionistas saca seu smartphone e, alguns segundos depois, lá está: A capital é Pago-Pago, com cerca de 12000 habitantes. Pronto, discórdia resolvida. É certo que o outro chato inconformado pode pegar também o seu smartphone e argumentar que Fagatogo é a capital porque é onde tem a sede do governo, mas isso só demonstra que eu escolhi um exemplo de bosta para ilustrar o que eu queria demonstrar: A onipresente tecnologia está nos destruindo aos poucos.

Em tempos de outrora, discussões como essa (ou mais simples) se estendiam por meses, até alguém finalmente ter a decência de consultar o Atlas-1992 em sua biblioteca particular – aquele que você ganhava se comprasse o jornal por 3 anos seguidos e juntasse os 4250 selos naquela cartela vagabunda que ficava na gaveta da sala, guardada como se fosse um item sagrado religioso.

Família unida...

Era tudo mais divertido.

Estamos criando uma próxima geração de acomodados. De indivíduos que não sabem procurar no jornal os filmes que estão passando no cinema. De crianças que atingem a adolescência sem ter aquela timidez envergonhada de quando um(a) amiguinho(a) do sexo(a) oposto(a) liga para casa e seu pai(a) atende o telefone. Uma geração de crianças de 7 anos que trocam celulares e são mayors do playground no foursquare. O escorregador fica vazio, mas você pode vê-los ali sentados na caixa de areia, cada qual em uma fase diferente de Angry Birds.

Precisamos tomar medidas urgentes para evitar esse futuro. Coisas simples, como proibir o uso de iPhones em bares ou o fechamento da internet em dias úteis após as 23h, para que todos possamos novamente dormir depois do Jô. Atitudes que soam agressivas, mas que são visionárias.

É quase certo, por exemplo, que o grande problema que a população humana tem hoje ao acordar antes das 8h se deve ao fato de, nos primórdios da internet, a utilização da novidade tecnológica ficava sempre para depois da meia-noite, período em que o uso da internet cobrava somente o primeiro pulso e horário que não mais havia problema em ocupar a linha telefônica de casa – sim, naquele tempo se usava o telefone de casa; tanto que a natural evolução posterior dos lares mais sofisticados consistia na implantação de uma segunda linha telefônica, que só era usada nas madrugadas e finais de semana.

Ah! Saudosos tempos. As famílias eram mais unidas, com mais comunicação. Quem tem um irmão e viveu os tempos áureos do iG sabe toda a pureza e significado por trás de uma declaração como “sai dessa merda que é minha vez de entrar agora!”, assim como conhece o desespero de um “calma ae… me dá mais 15 minutos que eu estou liderando um jogo de Stop no IRC!”. O relógio repousava em cima do gabinete do único computador da casa e não adiantava voltar o horário em meia-hora: as famílias sabiam de cor os horários da programação da TV e era por ali que se orientavam.

Os grandes empresários de hoje em dia com certeza começaram suas vidas negociando esse horários: “Certo… eu vou assistir Beakman e depois Chaves. Aí eu venho pro computador enquanto você pode assistir Chapolin e Doug!”. Era assim: você não podia apresentar um plano sem que ele aparentasse alguma vantagem para o usuário concorrente. Era necessário conhecer bem os outros habitantes da casa e vasculhar o jornal em busca de uma programação que agradasse a todos os outros, de forma que eles preferissem passar uma hora assistindo televisão enquanto você desfrutava da rara e sagrada internet. Você efetivamente conhecia aqueles com quem dividia a casa.

A:
Eu usava o A:

A internet, é bom lembrar, era rara, sagrada e lenta. Muito lenta! O Youtube e o Netflix de hoje em dia quase nos fazem esquecer da época em que, para vermos o trailer de um filme, a gente tinha que baixá-lo! E lá ficava em seu computador, um diretório cheio de trailers de filmes que você não sabia mais o que fazer com ele.

Que atire o primeiro mouse aquele que não se viu surpreso com a descoberta do Google. A inocência dos que se sentiam satisfeitos com o Altavista e se divertiam com as centenas de páginas amadoras do hpG que vinham nos resultados de alguma busca aleatória no Cadê. A ascensão e queda do AudioGalaxy, gerando uma corrida desenfreada para usar o eMule, e depois para o eDonkey. Lembrarei sempre do “onze-quarenta-e-nove-oitenta-e-três-sete-oito-cinco”, aquele número que tive que decorar e que era a passagem de entrada para o maravilhoso mundo do ICQ, época em que as conversas não eram tão frenéticas, afinal dava tempo de tomar um café enquanto a sua mensagem era enviada ao destinatário.

Minha mãe, até pouco tempo atrás, mantinha o Guia de Ruas no carro. Se eu não me engano, ela ainda deve manter, uma vez que ainda pertence a uma parcela minoritária da população alheia ao GPS e que analisa o caminho a ser feito antes de sair de casa. É bem verdade que hoje fazemos isso através do Google Maps, o que já é um avanço gigantesco em relação àquele passado extremamente recente de ficar virando páginas de um livro para procurar “se a Brigadeiro Faria Lima é perto”.

Full Throttle
…muito antes de Grim Fandango!

Saudades do tempo que sua vó ficava na frente da TV com uma folha de papel e um lápis semi-desapontado esperando o resultado da Tele-Sena que era anunciado de hora em hora. O Silvio Santos ocupava todo o domingo e também os sábados, quando eu ficava jogando “Show do Milhão” pelo computador. As pessoas iam no banco. Se preocupavam com o horário dos seriados que queriam assistir. Conversavam pessoalmente.

Eu gosto mais da internet caótica, das páginas amadoras e do ICQ. De baixar música pelo Audio Galaxy enquanto conversava pelo bate-papo UOL. Dos sites temáticos do kit.net. Vou recriar meu e-mail no BOL e me transportar de volta a 1998.


— Via Gizmodo