A fina arte do Carnaval em Salvador

O Carnaval em Salvador é a maior festa popular do mundo, recebendo milhões de pessoas. Fui até lá este ano só para pode falar mal melhor, com mais autoridade.

Onde está Wally?
Onde está Wally?

Alguns fatos prévios: A Bahia é quente, muito quente. Parece que há um Sol para cada cantor de axé. Eu ainda não fui para o inferno, mas pelos relatos que eu ouvi, lá deve ser um pouco mais fresco que a Bahia. É o lugar onde os dragões bebem água – mas isso também deve ser por causa daquela pimenta absurda. E também é bom destacar a falta de veracidade daquele mito que o baiano é um povo folgado. Na verdade é que eles ficam o ano todo poupando energia para o Carnaval – e, acredite, eles precisam. A festa parece interminável…

Por “festa” considere “seguir um caminhão tocando música ruim num volume colossal enquanto se espreme feito um paulistano num ônibus matutino”. A música é um detalhe peculiar, e não é só pelo fato de que você ouve os piores sucessos do ano antes de todo mundo. Estou certo que se estivesse tocando valsa ou se alguém ligasse um liquidificador, todo mundo pularia do mesmo jeito… Mas não! Eles cantam uma única frase repetidamente em um ritmo mais grudento do que paçoca com água e que certamente ficará ocupando um pedaço precioso dos seus pensamentos por alguns meses.

Chiclete com banana, por exemplo… Possuem as letras de músicas mais arrogantemente narcisistas que eu já vi. Todas as músicas falam das maravilhas de ser chicleteiro, de como eu sou chicleteiro e ela também, das propriedades colantes de um chiclete quando entra em contato com as cavidades auditivas, de como se você fizer investimentos em chicletes e não fizer investimentos em banana você não vai obter lucros (muito pelo contrário)…

O bloco do Chiclete com Banana é o chamado “Camaleão”. Os nomes dos blocos, aliás, devem ter sido definidos através de um difícil processo que consiste em achar um dicionário e selecionar uma palavra aleatória. Eu fiz o teste e tudo parece um ótimo nome para blocos carnavalescos: “patriarca”, “mariposa”, “shampoo”… Se algo parece não encaixar ou se você simplesmente quer deixar o nome mais adequado, basta adicionar uma rima sem sentido à palavra. “Éta-Motocicleta”, por exemplo.

Cuidado com certos blocos. No bloco “Crocodilo” a viadagem rola solta. Também, o que esperar de um bloco cujo nome é um animal que se defende com o rabo? Já no bloco “voa-voa”, o caminhão anda mais rápido do que o Schumacher atrasado para um casamento.

Para poder participar de um bloco, você precisa de um “Abadá”. Um Abadá é um pedaço de pano transformado em regata, mais caro que um iPad (e com menos funções), uma qualidade de costura contestável e layout de cores e desenhos de gosto duvidoso. Uma vez trajando o Abadá e sobrevivendo o caminho pelas ruas até o bloco, você pode entrar no bloco, ficando num espaço mais perto do caminhão e delimitado por cordeiros. Cordeiros são indivíduos que ganham R$31,00, uma barra de cereal e donativos etílicos das pessoas ao redor para ficar segurando a corda ao redor, permitindo (ou não) a entrada dos foliões autorizados e empurrando toda a pipoca lá fora.

Cordeiro em um bloco
Cordeiro em um bloco

Pipoca é tudo que não é o bloco. É o grupo que fica na rua olhando a passagem dos blocos, curtindo a música e roubando a galera. É geralmente composto por moradores locais, isopores, turistas perdidos ou em trânsito e malandros com as mãos tão leves que conseguem roubar uma nota de R$2,00 de um bolso cheio de agulhas sem qualquer ferimento. Deixam o Maluf com inveja. A pipoca deve ter esse nome porque o pessoal lá fica pulando mais do que bola de basquete em cama elástica. Uma forma legal de se divertir na pipoca é manter uma ratoeira armada no bolso e andar por lá despretensiosamente. A pipoca é especialmente desagradável quando você se vê sendo empurrado entre os maiores mestres da capoeira da Bahia segurando uma corda e um muro de pedra maciça que está de pé desde 1700.

Uma outra opção são os camarotes. São simples estruturas montadas nas marginais da rodovia que permitem que você veja a Ivete dizer “Poeira” umas quatro vezes enquanto o bloco dela passa. Para atrair os foliões, esses camarotes fazem uso de métodos até desleais, como pizzas crocantes, feijoadas, queijos finos, banheiros limpos e bebida gratuita.

Banheiros limpos é outro detalhe importante. Em alguns pontos da cidade é possível achar corredores de banheiros químicos. Entretanto, todos sabemos que as pessoas se recusam a andar mais de 2 metros para urinar, sendo assim, os banheiros no fundo desses corredores estão tão limpos que mantém até cheiro de lavanda. O que gera uma curiosa situação, onde o cheiro dos banheiros é melhor do que o cheiro do resto da cidade. O Carnaval é algo que ficou tão forte em minha memória que toda vez que eu sinto o tradicional cheiro de mijo da Praça Ramos aqui em São Paulo eu logo lembro de Salvador.

Outra dica fica em relação a uma escolha apropriada de calçados. Eles podem ser opcionalmente confortáveis, opcionalmente do seu tamanho e opcionalmente bons. Mas definitivamente você não deve ter nenhum vínculo emocional com eles. Pode ser que eles gostem tanto de Salvador que vão aos poucos ficando por lá.

E por falar em apelo emocional, uma pequena palavrinha sobre a mulherada: Sim, você vai pegar mais do que Zé Mayer em novela das oito. E a única dica que posso dar é “vá gripado”. Se alguém vai transmitir alguma coisa, que seja você!